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Foto do escritorZé Ricardo (TrEiNoPeT)

SOCIALIZAÇÃO SEGURA de filhotes

Atualizado: 6 de mar.


Tutora com seu cãozinho no colo

Há um período na vida dos filhotes – até cerca 4 meses – quando os filhotes são vacinados várias vezes, mas não podem ser considerados totalmente imunizados devido à interferência de anticorpos maternos que ainda podem estar circulando no organismo dos filhotes. (A preocupação maior é com a parvovirose e a cinomose.)


Por outro lado, uma série de estudos mais do que consagrados (alguns nem tão recentes) identificou essa mesma fase como o período sensível à socialização e habituação dos filhotes, ou seja, é um período "quase mágico" – e bem curto – no qual os filhotes estão muito mais abertos a novas experiências que os farão crescer como cães autoconfiantes.


A coincidência dessas duas verdades científicas no mesmo período coloca os tutores diante de um dilema, quando eles levam pra casa um filhote de 8 semanas. Manter o filhote em casa nos primeiros dois meses parece ser a única maneira de mantê-lo seguro contra doenças infecciosas, mas isso pode acarretar (e, com frequência, acarreta) sérios problemas emocionais e comportamentais no futuro.


Então, o que os tutores devem fazer?


AS DUAS COISAS!

As duas coisas são tão importantes que escolher entre uma e outra está fora de questão. Os tutores precisam saber como avaliar os riscos para que possam trabalhar em ações de socialização sem expor os filhotes a riscos desnecessários enquanto se completa a imunização.


Nossa experiência com a pandemia de COVID-19 pode nos ser útil?


Acredito que avaliar riscos de contágio tenha ficado mais fácil agora que os tutores de cães passaram pela experiência com a pandemia de COVID-19. Antes da pandemia, as orientações que eu costumava passar aos meus clientes geralmente não eram muito bem recebidas, pois eles achavam que seria difícil segui-las em relação a seus filhotes. Com a pandemia, as pessoas aprenderam e se acostumaram a seguir o mesmo tipo de raciocínio em relação a elas mesmas, incluindo:

  • Evitar locais e/ou indivíduos que possam representar alto risco de contágio

  • Pensar antes sobre futuras interações e tomar muito cuidado

  • Se informar sobre onde exatamente os indivíduos estiveram e quando

  • Restringir as interações a grupos limitados de indivíduos reconhecidamente seguros

As pessoas "treinadas pela pandemia" acham mais fácil avaliar e tomar as decisões que vão ajudar a transformar seus filhotes em cães adultos confiantes, amigáveis e felizes.


VETERINÁRIOS COMPORTAMENTALISTAS DIZEM: NÃO ESPEREM PARA SOCIALIZAR!


Parvovirose e cinomose são doenças caninas mortais. Felizmente, existem vacinas eficazes. Porém, as doses de tais vacinas são aplicadas em uma série ao longo dos primeiros meses de vida do filhote, e não há como ter certeza de quando uma dose vai "pegar" e garantir imunidade. Essa imprevisibilidade tem a ver com a presença de anticorpos maternos, transferidos para os filhotes pela amamentação. É por isso que se exige cautela até que a série de vacinações esteja concluída.


Desde sempre, os veterinários aconselham os tutores a manterem seus filhotes em casa até que a imunização esteja completa. Alguns chegam a enfatizar que "manter distância de outros cães não seria suficiente, porque as doenças estariam à espreita por todos os lados".


Entretanto, nas últimas décadas, a ciência tem deixado muito claro que deixar passar esse período principal de socialização pode ser muito prejudicial para o filhote. Em 2018, a American Veterinary Society of Animal Behavior (AVSAB, de médicos veterinários especializados em comportamento) divulgou uma declaração oficial sobre isso. Uma parte dessa declaração diz o seguinte:


"O primeiro e mais importante período para a socialização de filhotes são os primeiros três meses de vida. Durante esse período, os filhotes devem ser expostos a tantos animais, pessoas, estímulos e ambientes novos quantos forem possíveis com segurança. Receberem tal socialização antes de estarem completamente imunizados deve ser o padrão de cuidado para filhotes."

O problema é que a maioria dos médicos veterinários (que não são comportamentalistas) ainda orienta seus clientes tutores de filhotes a esperar – provavelmente por desconhecimento ou por não confiarem no julgamento e nas decisões de seus clientes. Mas também já há muitos veterinários (principalmente em outras partes do mundo) que defendem e aconselham uma socialização precoce e cuidadosa ao mesmo tempo. Eles não negam que a parvovirose e a cinomose ainda estão por aí, mas eles também deixam muito claro que é imprescindível fazer um esforço para dar aos filhotes uma socialização – a melhor e a mais segura possível – desde o desmame até a idade de 12 - 16 semanas.


CONSEQUÊNCIAS DO ISOLAMENTO


As consequências da falta de socialização de um filhote durante esse período podem ser dolorosas. A AVSAB informa que a principal causa de morte de cães com menos de 3 anos de idade são as questões comportamentais, não as doenças infecciosas. Em casos extremos, cães medrosos podem se tornar agressivos e morder; em alguns casos, eles podem ser entregues a abrigos ou abandonados e, às vezes, acabam sendo sacrificados. É terrivelmente triste – e muitos dos casos poderiam ter sido evitados com uma "vacina contra medo e agressividade" chamada Socialização.


A partir do nascimento dos filhotes, começa o aprendizado a respeito do mundo. Quanto mais interações positivas esses filhotes tiverem com novas visões, cheiros, sons, pessoas e animais, mais eles se sentirão confiantes diante de coisas novas pelo resto de suas vidas. Os benefícios são inúmeros e de extrema importância: passeios felizes em meio a outros cães e pessoas; facilidade de convívio com amigos e familiares (e seus pets); consultas veterinárias tranquilas; cuidados de higiene sem estresse; viagens tranquilas e prazerosas; e uma vida inteira de bem-estar.


Ao contrário, se você esperar que as vacinas estejam completas para se aventurar fora da redoma que é a sua casa, quase sempre vai ser tarde demais! Por volta dos 3 - 4 meses de idade, a programação biológica da mente do filhote diz a ele que qualquer coisa nova e diferente pode ser uma ameaça. Você pode acabar tendo um cachorro arisco (ou pior) quando na presença de outras pessoas, outros cães e/ou coisas e lugares desconhecidos.


É importante que fique claro que a maioria dos filhotes não apresenta nenhum indício de tendência a ter medo disso ou daquilo. O problema é que se eles não forem expostos várias vezes de forma sempre positiva (não forçada, no ritmo deles e associadas a coisas agradáveis como comida e diversão) a toda uma gama de estímulos, os medos se desenvolvem frequentemente mais tarde, a partir da adolescência. Daí a analogia entre as ações de Socialização e Habituação e uma "vacina contra medo e agressividade".


Se você nunca teve um cachorro assim, talvez seja difícil imaginar o quão triste e difícil isso pode ser. Eu tenho visto casos em primeira mão (bem como tenho ouvido relatos de colegas de profissão e lido casos relatados por adestradores renomados), ou seja, eu sei o que quase sempre acontece quando um filhote é comprado ou adotado e a socialização é interrompida, o filhote passando os próximos dois meses "protegido" no ambiente previsível de sua nova casa. Por volta dos 6 meses de idade ou mais, os donos podem estar arrasados por causa do comportamento geral do filhote, agora apresentando medo de várias coisas e situações ou exibindo comportamento agressivo por caso no medo. Geralmente, as pessoas me dizem: "Pensamos que não seria problema esperar "só" dois meses; achamos que poderíamos compensar esse tempo mais adiante."


Infelizmente, o que muitos tutores (e muitos veterinários) não sabem é que a mente dos filhotes está programada pela evolução para funcionar desse jeito. Se a janela de tempo mais propícia for perdida, não tem como compensar depois, porque não é assim que a natureza canina funciona.


A PARTE FÁCIL: SOCIALIZAÇÃO EM CASA


Numa coisa, todo mundo concorda: o primeiro passo da socialização, e o mais fácil, é saber aproveitar bem o tempo do filhote em casa. Para um filhote recém-chegado, sua própria casa ainda está cheia de "coisas novas". Você só tem que ter cuidado para não exagerar e sobrecarregar o filhote com isso!


O objetivo do trabalho é ajudar o filhote a aprender que o mundo pode ser barulhento e imprevisível, sim, mas que pode ser bem divertido apesar disso e não há razão para ter medo. A velocidade com que se desenvolve esse trabalho deve ser adequada às especificidades de cada cão.


O filhote não deve ser impedido de ouvir ruídos "assustadores" como o do aspirador de pó ou do liquidificador. Em vez disso, o filhote precisa passar por essas experiências, mas com a intensidade do "estímulo" ("coisa nova") sob controle e aumentando gradualmente. A distância pode ser usada a nosso favor, e as sutis reações do filhote devem ser usadas como "termômetro". Os estímulos podem ser combinados com pedacinhos de petisco ou a própria ração.


Se o filhote parecer apreensivo – por exemplo, se ele não quiser comer petiscos ou se ele pegar os petiscos com muita força, ou se a linguagem corporal dele indicar desconforto, estresse ou medo – deve-se aumentar a distância entre o estímulo e o filhote e/ou diminuir a intensidade do estímulo de outra forma (por exemplo, se for algo em movimento, tem que ser mais lento e mais suave; se for um som, tem que ser mais baixo e por menos tempo; etc.). O ideal é que o filhote continue a brincar e interagir alegremente com quem estiver conduzindo o processo.


O filhote pode ser levado (por exemplo, no colo) para ver o movimento da rua em frente de casa. Para ajudar o filhote a gostar dos caminhões, bicicletas, carrinhos de bebê e outros cães que passam, oferecemos a ele pedacinhos de frango (ou outro petisco de alto valor) cada vez que uma dessas coisas estiver chegando perto e enquanto estiver passando.


Combine com as pessoas da sua família para que elas vistam e usem coisas "estranhas" todos os dias desse período: chapéus, máscaras, capas de chuva, botas, mochilas, guarda-chuvas, óculos escuros, capacetes, skates, bengalas, fantasias etc.. Mantenham suas vozes alegres e uma atitude leve e brincalhona.


O filhote deve ser incentivado a andar sobre todo tipo de superfície possível em casa: tapete, piso frio, madeira, grama, pedra, terra, colchonete, esteira, papelão etc.. Tais momentos devem ser transformados numa brincadeira divertida que inclua petiscos e/ou os brinquedos favoritos do filhote.


Podemos usar a TV e reprodução de áudio para habituação, para garantir que o filhote se habitue com choro de bebê, gritaria de crianças brincando, falatório de vozes masculinas graves, cantorias, palmas (e parabéns pra você), alarmes, sirenes e diversos outros ruídos. O filhote deve estar se divertindo enquanto escuta esses sons e, ao longo do tempo, você deve aumentar aos pouquinhos o volume.


É muito importante promover o encontro do filhote com pessoas de todos os tipos possíveis: crianças, idosos, caras muito altos, magros, gordos, carecas, de barba grande etc.. (Os sapatos devem ser deixados fora de casa e as mãos devem ser lavadas.) Até uma visita de cinco minutos faz diferença. Lembrando que, se o cachorro ficar apreensivo, a distância deve ser aumentada e a pessoa pode se agachar, falar mais suavemente, mover-se mais lentamente etc..


Qualquer visita, de um encanador ou eletricista (por exemplo), deve ser aproveitada como uma ótima oportunidade de socialização. Pergunte se eles se importariam de jogar uns petiscos para o seu cachorro, ou entregá-los na mão, se o cachorro estiver suficientemente confiante e curioso.


PODE SER DIFÍCIL TOMAR DECISÕES NÃO TÃO ÓBVIAS


Fazer o máximo que for possível dentro de casa é um excelente começo, mas seu filhote também vai precisar sair por aí. E é aqui que vai entrar tudo o que você aprendeu com a pandemia de COVID-19.


A primeira regra é fácil: evite cães desconhecidos e lugares frequentados por cães desconhecidos. Nada de parques, lojas de animais ou abrigos de cães, até que seu filhote esteja completamente vacinado. (Aliás, o local potencialmente mais arriscado é uma clínica veterinária, já pensou nisso?)


Todo o resto se enquadra na categoria "depende", e você vai ter que avaliar cada caso.


Talvez você possa expor seu filhote a novas pessoas e sons de uma rua movimentada usando um carrinho ou carregando o filhote no colo (se ele ficar calmo e confortável), para que ele possa aproveitar o passeio sem entrar em contato com o chão.


Independente de qual seja a forma de transporte, seu filhote precisa passar por um processo gradual de habituação antes; do contrário, ele pode desenvolver medo por causa da forma que está sendo transportado.


Durante a fase sensível, alguns passeios de 15 minutos associados a um estado mental positivo podem moldar drasticamente a visão que seu filhote vai ter do mundo. Por mais que seja trabalhoso, vale muito a pena.


ENCONTROS DE FILHOTES


Encontros de filhotes fazem parte da socialização e merecem uma menção especial.


As brincadeiras que acontecem nesses encontros também aumentam drasticamente as habilidades do seu cãozinho de se comunicar com outros cães na linguagem deles. Isso vai ajudar seu cão a neutralizar encontros potencialmente inseguros no futuro. Portanto, consiga promover esses encontros para brincar.


Só não se esqueça de selecionar criteriosamente os amiguinhos. Se o dono de um dos filhotes não estiver tomando todos os cuidados, o filhote dele pode expor o seu e os outros a um risco desnecessário.


Portanto, você só deve deixar seu filhote brincar com filhotes que:

  • Estejam em suas casas e longe de locais de alto risco - incluindo abrigo ou criação irresponsável - por pelo menos duas semanas

  • Não estejam apresentando qualquer sinal de doença

  • Estejam seguindo o esquema vacinal com um veterinário

  • Pertençam a uma pessoa que esteja sendo tão cuidadosa com as exposições quanto você

Além de tomar decisões sensíveis sobre com quem seu filhote pode se encontrar e em quais lugares ele pode ir, você também deve tomar outros cuidados: boa nutrição, vermifugação, controle de pulgas e carrapatos e boa higiene são fundamentais para que um filhote desenvolva um sistema imunológico saudável.


Quero crer que mais pessoas se permitirão sair de casa com seus filhotes, sem se descuidarem dos riscos de doenças infecciosas, para formar na cabecinha deles uma impressão quase permanente de que o mundo está cheio de coisas "novas" que podem ser maravilhosas!


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