Estive conversando com um amigo meu, que gosta de cachorro e tem um cachorro na família, e ele me disse o seguinte:
" Um problema que eu ainda não resolvi plenamente é a agressividade que meu cachorro exibe eventualmente contra outros cães. Eu observo que, depois de uma boa jornada de exercício, ele não tem esse comportamento. Será que esta agressividade está relacionada a algum fator estressante que é aliviado com o exercício? "
Como nós já estávamos nos despedindo quando ele disse isso, eu respondi: "Me liga, e a gente conversa com calma." Mas ele, que é um visitante frequente deste meu blog, propôs que eu escrevesse uma resposta aqui.
Eu topei o "desafio". (Mas pedi para ele me ligar depois de ler.)
Então, o "problema que ele ainda não resolveu" me foi apresentado dessa forma que eu escrevi aí em cima, sem detalhes.
Se eu estivesse numa relação normal de trabalho com um cliente, eu certamente começaria por uma avaliação detalhada – uma verdadeira investigação – onde a resposta do cliente a cada pergunta poderia gerar uma nova hipótese, que poderia gerar novas perguntas, e assim por diante.
Mas, se não é isso que vou fazer aqui, o que será?
Vou partir de algumas generalizações para escrever um artigo que seja relevante para a maioria das pessoas que se identificarem com a situação relatada, relevante inclusive para o meu amigo (assim espero, mas ele pode me ligar em seguida).
Se eu pretendesse abordar o assunto por todos os ângulos possíveis, eu teria que escrever um livro. Então, vou me limitar a dar umas pinceladas em pontos importantes que todo tutor de cachorro precisa pelo menos saber que existe.
Resposta rápida à pergunta do meu amigo
Antes de qualquer coisa, eu já posso afirmar sem medo de errar que há, sim, uma relação direta entre estado de estresse, emoções e comportamentos. E outra coisa que dá para afirmar sem pestanejar é que exercícios físicos têm efeitos bem conhecidos no controle do estresse. (Essas coisas valem tanto para cães quanto para seres humanos.)
O cérebro dos cães é, em muitos aspectos, bastante semelhante ao cérebro dos humanos. Ambos incluem um sistema límbico, que é onde memórias e emoções são armazenadas. Além disso, ambos os cérebros compartilham basicamente a mesma química. E, assim como os humanos, os cães são susceptíveis a estados e problemas emocionais, tais como medo, estresse, frustração, raiva, ansiedade e depressão.
Reatividade
Na grande maioria dos caso, cães que exibem um comportamento agressivos quando se aproximam ou passam por outros cães durante os passeios (ou quando outros cães se aproximam ou passam por eles) são classificados como cães "reativos na guia" em relação a outros cães. E, na maioria das vezes, a "reatividade" tem como base o medo, a falta de confiança, a insegurança.
É isso mesmo: todo aquele estardalhaço que esses cães "reativos" fazem, às vezes dando a impressão de que querem matar o outro cão, quase sempre está baseado em medo. (Algumas vezes, a reatividade é baseada em frustração, mas isso ocorre com frequente bem menor.)
Eu já vou esclarecer tudo abaixo, mas você também pode acessar reatividade em cães.
Você já deve ter ouvido falar em imprinting e socialização, mas pode clicar nesse link caso queira entender melhor. Por ora, o que eu preciso te dizer é que o seu cão pode ser reativo em relação a outros cães por ter sido separado da mãe e da ninhada antes da hora e/ou porque o período crítico de socialização dele quando filhotinho não foi aproveitado da maneira certa e necessária. (Há, ainda, outras causas possíveis).
Estresse
As pessoas que me procuram estão sempre querendo identificar um fator que explique o estresse do cão. Eu sempre digo que isso vai ser importante, sim, mas há outras questões que a gente precisa se perguntar em primeiro lugar:
Você já se deu conta de que seu cão vive em cativeiro?
Já se imaginou vivendo nas condições em que ele vive? (E o que aconteceria com o seu estado emocional?)
Já se perguntou quais são as reais necessidades do seu cão?
É claro que eu estou generalizando (talvez, exagerando), mas a maioria dos cães domésticos vive mais ou menos assim:
isolamento forçado por longos períodos, especialmente nos dias de semana, quando as pessoas saem (para trabalhar), sem que ele saiba aonde elas foram e quando elas vão voltar;
angústia por esperar a volta do dono, a hora do passeio (alguns cães nem passeiam todos os dias);
tédio por não ter nada diferente para fazer (ou por não ter absolutamente nada para fazer);
poucas oportunidades para expressar comportamentos instintivos, como correr, perseguir, morder, puxar, cavar, forragear, roer;
frustração por se esforçar tanto e não compreender o que a gente diz;
etc..
Já posso imaginar o que você está pensando, mas leia de novo os itens acima tentando se colocar no lugar de um cão.
Reatividade + Estresse
Agora, imagine um cão inseguro, que não queira que outro cão invada o "raio de segurança" dele. (Se ele for muito inseguro, esse "raio de segurança" pode ser de dezenas de metros!). E suponha que esse cão inseguro esteja vivendo nas condições descritas acima.
Pronto! É um cão que estará sempre no limite, prestes a explodir, compreende?
Aí, o cão sai para passear com o dono, na guia, de onde ele sabe que não pode fugir. Quando ele avistar outro cão se aproximando, a única opção que ele tem é tentar fazer aquela "ameaça" ir embora. Por isso, ele exibe um comportamento terrível de intimidação e agressividade na tentativa de assustar e afastar o outro cão.
(Estamos falando de "reatividade" em relação a outros cães, mas os "gatilhos" podem ser outros, como pessoas, skates, bicicletas etc., e a lógica seria a mesma.)
SOLUÇÃO
O que eu sempre digo é que todo programa de modificação comportamental e emocional, para que seja eficiente, requer Planejamento e Ação de:
Rotina e Manejo
Treinamento Básico e Específico
Rotina: Enriquecer a rotina (o ambiente e a vida) do cachorro, abordando todos aqueles pontos fracos já citados e atendendo às necessidades básicas do cão (atividade física, estímulo mental, interação social, e expressão de comportamentos instintivos).
Use e estes links caso você queira se informar sobre exercícios físicos e atividades cognitivas, bem como sobre a utilização de brinquedos para cães como forma de enriquecimento ambiental.
Manejo: Medidas para evitar que o cão lide com a situação problema na vida real (ele vai aprender formas de lidar com ela no treinamento específico, que é gradual).
Treinamento Básico: Ensinar comportamentos básicos por duas razões principais: (1) eles serão úteis no treinamento específico, e (2) o adestramento positivo é uma excelente forma de estímulo mental e aumenta a confiança geral do cão.
Treinamento Específico: No caso de reatividade em relação a outros cães, o treinamento específico é uma combinação de dessensibilização progressiva e contracondicionamento, para modificar a resposta emocional do cão em relação à aproximação de outros cães durante os passeios.
Não é tão complicado quanto pode estar parecendo, mas o apoio de um adestrador qualificado e atualizado é muito recomendável.
Nesta altura, você deve estar pensando assim: "Ok, vou procurar a ajuda de um adestrador atual. Mas o que eu já posso fazer a partir de agora?" Pois bem, eu tenho algumas recomendações importantes.
Evite sair com seu cão para passear enquanto ele estiver excitado.
Se o seu cachorro fica excitado ao perceber que vai passear, além de fazer as várias melhorias na rotina e no manejo como já discutimos acima, a medida específica a ser tomada é não colocar o peitoral e/ou não prender a guia no cachorro enquanto ele não puder oferecer um comportamento minimamente tranquilo, como sentar. Da sua parte, não pode haver frustração nem confronto, apenas paciência: solte o peitoral ou a guia e mantenha-se neutro, sem interagir com o cão. E a aprendizagem é gradual, ou seja, você será pouco exigente nas primeiras vezes e, gradualmente, vai esperar cada vez mais autocontrole da parte do seu cão.
Outro ponto: se o seu cachorro acabou de jogar ou brincar de alguma coisa excitante, os níveis de adrenalina dele devem estar aumentados. Espere alguns minutos até ele relaxar, antes de iniciar o passeio.
Nas duas situações acima, assim como antes de qualquer passeio, ajude seu cachorro a se acalmar e relaxar antes de tentar colocar o peitoral e a guia. Eu gosto da ideia de fazer uma massagem relaxante, e pratico isso com a minha peluda.
Assumir um estado de espírito calmo também se aplica a você!
Você pode estar se sentindo tenso, ansioso ou irritado por motivos pessoais ou profissionais, ou porque já está imaginando que seu cão vai se comportar mal no passeio. Quando você está estressado, é normal, por exemplo, que você respire mais rápido e menos profundamente. Seu cão é um mestre em perceber detalhes desse tipo em você, e isso pode gerar nele algum grau de tensão, tanto emocional quanto postural.
Faça exercícios de respiração pré-passeio. Uma técnica bem aplicada de respiração lenta e profunda costuma ajudar a maioria das pessoas, mas procure também algo que funcione melhor para você.
Durante todo o passeio, procure ficar atento à sua respiração, pois isso terá um efeito calmante tanto em você quanto nele.
É comum que os tutores também se comportem de maneira "reativa" quando avistam aquilo que desencadeia a "reatividade" de seu cão. O simples fato de você tensionar a guia passa uma "mensagem" que o cão percebe com extrema precisão e, muitas vezes, faz o cão ver aquilo que só você tinha visto. E ele não só vê o outro cão (por exemplo), mas também faz uma associação mental com a "mensagem" que você passou sem querer, do tipo: "meu dono também acha que aquilo é uma ameaça".
Agora, vamos falar do momento em que seu cão exibe um comportamento reativo: se, nesse momento, você grita e/ou puxa a guia, é como se você jogasse mais lenha na fogueira. Pense antes no que você deve fazer para que não tenha que decidir na hora. No calor do momento, não dá tempo de pensar, e a nossa reação automática é quase sempre ruim.
Eu sei o quanto é difícil manter a calma nessa hora, mas também sei o quanto isso é necessário. Por isso é que eu recomendo que você faça algo para desestressar antes de sair para passear. E também recomendo que, logo após seu processo pessoal de descompressão, você mentalize as situações que podem ocorrer no passeio e se imagine lidando com elas da forma mais adequada.
Escolha bem os horários e por onde vai passar
Seu cão não pode lidar com a situação problema na vida real enquanto não tiver sido suficientemente treinado. (Como foi dito acima, o treinamento específico vai modificar gradualmente a resposta emocional do cão em relação à aproximação de outros cães durante os passeios.) Antes disso, toda vez que ele praticar o comportamento problema terá o efeito de um "treinamento ao contrário", fazendo a reatividade piorar.
Portanto, para que você possa passear com seu cão, você vai precisar fazer tudo o que estiver ao seu alcance para manter distância suficiente de qualquer outro cão, por exemplo:
Opte por locais, ruas e horários sem nenhum movimento para evitar que seu cão se depare com outros cães, inclusive cães de rua ou, principalmente, cães atrás de grades e portões.
Afaste-se ao primeiro sinal de uma possível aproximação, idealmente antes que seu cão veja, e sem que ele perceba que você está fazendo uma "saída emergencial" (não puxe a guia e atraia seu cão como se fosse por outra razão).
Evite ruas e passagens estreitas ou sem saída, nas quais você não terá opção de se afastar se surgir a necessidade.
Se não puder se afastar por alguma razão, atraia seu cão para trás de algum obstáculo visual, como carros estacionados ou banca de jornal.
Mantenha a guia frouxa
Estar na guia limita as opções do seu cão, não sendo algo natural para ele, por mais que ele esteja acostumado. Manter uma tensão na guia quase o tempo todo faz o cão se sentir continuamente restrito, o que aumenta a chance de exibição de reatividade na guia. Sua técnica de lidar com a guia é crucial.
Se você ainda não ensinou seu cão a andar na guia sem puxar, invista seu tempo nisso. Também ajuda demais ensiná-lo a caminhar do seu lado e olhar para você sob comando. (Isso faz parte do treinamento básico que mencionei acima.)
Não leve o celular quando sair com seu cão
(ou, pelo menos, não olhe o celular durante os passeios)
Aqui, vou citar coisas que considero muito importantes, que eu sempre faço nos meus passeios com a minha cachorra, e que exigem muita atenção da minha parte:
Sempre que a minha cachorra olha para mim espontaneamente, eu faço questão de estar pronto para retribuir o olhar e elogiar.
Sempre que houver outro cão no nosso campo de visão, eu quero ser o primeiro a saber para jamais deixar que ela seja surpreendida.
Agora, me conte: o que você achou desse artigo? Quais são suas ideias e suas experiências nesse tema? Comente!
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Muito obrigado, significa muito para mim, e os cachorros também vão te agradecer!
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